
TST condena multinacional por homofobia no ambiente de trabalho
O que começou com uma aparente brincadeira entre funcionários resultou em uma penalidade de reparação de danos para um grande grupo empresarial. No fim da tarde dessa quarta-feira (23/10/2019), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a multinacional Sendas Distribuidora S.A a indenizar em R$ 30 mil um ex-funcionário por ter sofrido de forma sistemática provocações, ataques e piadas homofóbicas de colegas e até mesmo de superiores hierárquicos dentro do ambiente de trabalho. O processo corre há pelo menos cinco anos na Justiça e a sentença é uma das principais na Corte Superior tendo como justificativa o preconceito por causa de orientação sexual.
O caso foi conduzido na Corte pela advogada Cínthia Cecílio, atual presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Distrito Federal (OAB-DF), e deu origem a jurisprudência para respaldar ações semelhantes que correm na justiça trabalhista. A empresa ainda pode recorrer da decisão.
Em 2013, Udson da Silva Mafra, à época com 29 anos, era contratado como operador de caixa do Assaí Atacadista, uma rede de supermercados de Natal (RN) ligada ao grande grupo empresarial. Ele passou a ser vítima de preconceito pelo fato de ter a voz fina em relação aos colegas de trabalho do mesmo sexo. Homossexual assumido, o autônomo relatou ter sofrido constantes chacotas internas, inicialmente de forma discreta, mas que passaram a ter o tom mais agressivo com o passar do tempo.
“Eu entrei na empresa e comecei a ver os murmurinhos. Eu era chamado de viadinho, fresco e bicha o tempo todo. Em um primeiro momento, de forma sutil. Certa vez, no vestiário, um superior hierárquico me chamou de coisas horríveis. As pessoas não conseguiam dissociar minha voz fina da minha sexualidade, o que me fazia muito mal”, lembrou ao Metrópoles.
À reportagem, o rapaz relatou que os ataques passaram a ser mais agressivos, de forma desproporcional às reações dele, quase sempre silenciosas. “Por várias vezes, eu saí do refeitório da empresa sem jantar porque eu não aguentava mais ser motivo de piada. Tive que aguentar tudo o que você pode imaginar, porque se eu pedisse demissão, sairia de lá sem os meus direitos. Cheguei a levar o caso aos superiores imediatos, ao Ministério do Trabalho, mas nada mudava. Até que passei a ser perseguido e demitido”, relatou.
Udson foi desligado do grupo Sendas Distribuidora S.A oito meses após o contrato e, desde então, não conseguiu emprego fixo. Hoje, vive de bicos e da revenda de produtos de beleza.
A princípio, a relatora do processo, ministra Dora Maria da Costa, reconheceu o direito à indenização, mas sugeriu que o valor caísse pela metade, totalizando R$ 15 mil. Contudo, o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro acatou a argumentação da advogada de Udson e manteve a condenação conquistada na primeira instância.
A presidente da 8ª Turma, ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi seguiu o voto contrário. O acórdão será publicado após o magistrado apresentar o voto escrito, visto que o posicionamento foi feito oralmente durante a sessão.
A reportagem tentou contato com a defesa do grupo Sendas, por meio do advogado Álvaro Barros Medeiros Lima, de Natal. Contudo, o número disponibilizado pelo cadastro da OAB-RN não está mais em funcionamento.
Homofobia
Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento e definiu que a homofobia, que consiste em comportamentos discriminatórios com base em orientação sexual, seria entendida como crime sujeito à prisão. Por maioria, a Suprema Corte passou a incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.
Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei específica sobre a matéria. Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por entenderem que a conduta só pode ser punida mediante lei aprovada pelo Legislativo.